Em “O privilégio dos mortos”, o narrador viaja de volta à cidade natal, Tejuco, um lugar fictício no interior do estado de Minas Gerais, para visitar o túmulo de seu melhor amigo. Durante a viagem, o narrador, sempre em uma conversa íntima com Helena, personagem que nunca se conhece, de fato, inicia uma busca por suas origens, e descobre que sua história é contaminada pela história de sua terra. Helena é a interlocutora e Helenice é a mulher que é o contraponto de Helena: real, inquieta, livre. O narrador não suporta qualquer tipo de liberdade, ao mesmo tempo que a procura, pois é atraído pelo antagônico.
A trama é narrada de seis maneiras diferentes, sob seis ópticas, que se contrapõem, se contradizem e se complementam. A narrativa se passa nos anos 1990, mas o narrador muitas vezes fala de épocas um pouco mais remotas, em especial os anos 1960, quando procura entender sobre os pais e sobre o que se tornou sua cidade e seu país. Em alguns momentos, a impressão é de que o narrador está em um futuro incerto e utópico, mas com os mesmos problemas de sempre, apenas ressignificados por novas tecnologias.
“O privilégio dos mortos” sinaliza a reflexão à qual alguns de nós se lança ao encarar a morte do outro, de alguém que tem participação marcante na nossa biografia. É a vida se revelando, em todas as suas complexidades e catarses, na hora de um adeus que se enquadra no definitivo. Ao abordar essa velha questão da morte, tema sempre atual, o autor traz para discussão outras ordens do dia: violência contra a mulher, racismo estrutural, ineficiência do estado, misoginia, machismo, solidão em uma sociedade polarizada e o mito do brasileiro cordial. Diante destas fugas, o narrador se apega a Nietzsche: o privilégio dos mortos é não ter de morrer novamente.